EXPOSIÇÃO PROJETO MEZANINO
Galeria Baró Senna, São Paulo, 2000.
Lorenzo Mammì
“Em Os cadernos de Malte Laurids Brigge de Rainer Maria Rilke, há um personagem que lê imóvel, quase sem virar as páginas, e o menino que a observa tem a impressão que ela esteja acrescentando palavras à folha, tornando-a sempre mais densa. É uma passagem rápida, e certamente não está entre as mais impressionantes, mas me parece exemplar de uma obsessão típica de Rilke: quanto mais as coisas são carregadas de significados, tanto mais se tornam indecifráveis. Os rostos, quando neles aflora uma interioridade verdadeira e não domesticada, em vez de nos aproximar dos corpos que os vestem, tornam-se coisas em si, desgrudadas de seus suportes. Uma mão, uma orelha, quando nelas transparece realmente a vida, viram seres monstruosos, inexplicáveis.
Um excesso de carga simbólica que leva a paralisia ou cegueira é o método que Dália Rosenthal aplica ao romance de Rilke, nos trabalhos em que manipula as suas páginas. Ungidas em azeite, elas já não escondem seu verso, mas com isso tornam-se ilegíveis. Compressas entre duas placas de acrílico, são talismãs. Outras folhas, imergidas num liquido mineral, até se impregnar totalmente dele, adquirem uma cor brilhante, mas o brilho é demasiado denso para ser mero atributo. Como os rostos de Rilke, a cor se rebela, aqui, contra seu corpo.
Estudiosa de obra de Beuys, e evidentemente influenciada pela tradição romântica alemã, Dália sempre trabalhou, desde sua primeira exposição no Centro Cultural São Paulo, sobre a maneira em que a esfera do simbólico afeta, melhor dizendo, agride a forma. Naquela mostra (certamente mais próxima de Beuys) o ponto de vista era antropológico; aqui, é mais transcendente, mais místico. Nos dois casos, o que conta, não àquilo que o símbolo revela, mas ao contrario, o que o símbolo cancela, a maneira como torna obscuro o visível”.